terça-feira, 26 de junho de 2012

A turma do gordo

Há na nossa infância uma tendência a "reutilizar" muitas vezes as coisas que consumimos culturalmente: assistimos uma infinidade de vezes a nossos filmes favoritos, lemos repetidamente as mesmas revistas, coisas que hoje, com nosso cardápio de opções cada vez mais vasto e infindável, parecem bem distante do nosso pensamento. Uma das coisas que eu lia e relia e relia de novo quando era mais jovem eram os livros da turma do gordo, escritos por João Carlos Marinho.

A fórmula para os livros é em espírito bem simples: um punhado de crianças (com a idade parecida com a de seus leitores, uns dez, onze anos) vivendo aventuras e deparando-se com perigos e enrascadas. Sim, é uma ideia simples, em conceito; mas em execução a coisa é bem menos fácil do que dá a entender.

Eu vejo esses livros um pouco como seguindo as pegadas de Monteiro Lobato: histórias cujo único freio é o fim do livro, e até lá tudo pode acontecer, com muito humor e respeitando sempre o público leitor. Assim como as personagens lobatianas, os personagens da turma do gordo já viajaram pelo espaço, já encontraram entes sobrenaturais ou simplesmente vivem na gostosa modorra cotidiana que os espera em seu dia a dia de crianças.

Na verdade, essa aproximação é menos imaginada por mim que planejada pelo autor: João Carlos Marinho é grande apreciador da obra infantil de Monteiro Lobato, e inclusive pode-se encontrar em alguns livros teóricos/críticos sobre essas obras alguns comentários e análises que ele fez ao longo dos anos, debruçando-se sobre as pouco mais de vinte aventuras da turma do sítio de Dona Benta — vale consultar o excelente "Monteiro Lobato, livro a livro - Obra infantil", organizado por Lajolo e Ceccantini. É possível também encontrar em livros da turma do gordo várias referências às personagens e aventuras de Narizinho, Pedrinho, Emília e companhia. Dois exemplos: em um de seus livros uma personagem reclama por as criaturas lobatianas serem tão bem desenhadas nos livros, dando, na visão de Marinho, pouco espaço à imaginação construtiva dos leitores. Ele vai além nessa idiossincrasia e, por contrato, seus livros não podem ter NINGUÉM da turma desenhado; as ilustrações das obras são abstratas, colagens e afins, e ao leitor é negado o rosto gráfico de personagem que seja. É uma decisão bonita, algo anacrônica, bastante romântica. Isso já demonstra o quanto ele se importa com seu público, o que ele, como autor, espera de seus leitores. João Carlos Marinho não deseja leitores passivos.

O segundo exemplo que mencionei é extraído de seu mais recente livro do gordo (e, presumivelmente, o último, segundo ele declarou em entrevistas e palestras), "Assassinato na literatura infantil": o troféu concedido pela mãe do gordo ao vencedor do prêmio de melhor livro infantil é batizado com o título do sábio Visconde de Sabugosa e tem a efígie do mítico e azarado sabugo de milho. Li o livro semana passada e é uma gostosa trama de suspense, com uma bela atuação da turma do gordo, composta nesse último livro pelo gordo (Bolachão) — líder da patota —, Berenice (sua namorada), Biquinha, Edmundo, Silvia, Mariazinha e Pituca. Também participam das cenas o irreverente mordomo Abreu, o desbocado frade João, o simpático delegado dr. Paixão, os pais do gordo (Marcelo e Celeste) e seu cachorro Pancho. Alguns personagens de outras aventuras, como Zé Tavares e Hugo Ciência, estão ausentes desta vez.

A meu ver, a grande "sacada" da coleção é tornar os personagens totalmente próximos ao leitor juvenil. Se esse leitor for paulistano, então, aí se torna vizinho de toda a turma do gordo: João Carlos Marinho fala de ruas e locais realmente existentes (a Berenice, por exemplo, mora na rua Fradique Coutinho), de colégios que de fato estão edificados na capital paulistana, tornando tudo muito crível e ao alcance de seu jovem público. Eu lembro que quando comecei a ler os livros tinha meus onze, doze anos, e no meu curso de inglês havia uma menina que para mim era a Berenice pura e perfeita. Por ela não ser ilustrada, era a imagem que eu tinha na cabeça, era assim que eu a tinha como menina daquela faixa etária, e é esse um mérito de João Carlos Marinho: trazer amigos reais para as crianças do ensino fundamental.

Como toda obra infantojuvenil de qualidade, esses livros não são indicados apenas a seu público-alvo. Quem puder se debruçar sobre essas histórias (doze, ao todo) de Bolachão e seus amigos irá ficar encantado com a espontaneidade na construção dos caracteres das personagens e com a sutileza do humor das tramas. E concluir que realmente uma série que agrada a leitores de diversas gerações há mais de quarenta anos há de ser uma série com ingredientes bastante especiais.

P.S.: No final dos anos 1990 troquei uma boa correspondência com João Carlos Marinho. As cartas são o testemunho do entusiasmo que os livros despertavam em um garoto que adorava ler e viver aventuras (e ainda adora, mesmo crescido).

2 comentários:

Unknown disse...

Não sabia que havia todos esses livros da turma, Filipe. Li quando jovem O Gênio do Crime e Sangue Fresco. Adorei os dois. Fiquei até curioso agora em conhecer os demais.
Abraço!
Sergio

Filipe Chamy disse...

São bem bacanas, Sergio, acho que você vai gostar muito de "Berenice detetive" e "O conde Futreson". São só doze histórias, em menos de um mês você lê tranquilamente toda a coleção e ainda sobra dias!