sexta-feira, 5 de abril de 2013

Minhas influências de Resnais

Uma das melhores coisas é pesquisar influências, influenciados e influenciadores. Se há alguém em que você confia, ou um artista que você admira, procurar o mundo que cerca essa pessoa e suas bases (de pensamento) é fascinante e esclarecedor. Foi graças ao Deep Purple que eu conheci Rainbow, Blackmore's Night, Whitesnake etc. Seguindo os passos de Truffaut interessei-me pelas obras de Henri-Pierre Roché, Ray Bradbury, David Goodis, Henry James. Os exemplos abundam e abundarão, mas é difícil que alguém tenha mais "méritos" no meu garimpo cultural que o nonagenário Alain Resnais.

Resnais é, há muitos anos, uma das pessoas que mais me interessam culturalmente. Cada opinião sua, cada sugestão ou manifestação, traz à minha atenção um foco diferenciado e instigante sobre o qual me debruçar. Por se interessar por inúmeros segmentos da expressão artística humana, Resnais tem muito a falar e a mostrar em mil campos que me interessam. Vou tentar falar brevemente sobre algumas coisas que procurei e consumi graças ao velho Alain.

Cinema

Além de seus magníficos filmes, Resnais abriu minha cabeça em muitos outros campos. Os roteiristas de seus primeiros longas (Marguerite Duras e Alain Robbe-Grillet) viraram também cineastas e fui atrás de seus filmes. De Duras, vi Nathalie Granger e Le camion. De Robbe-Grillet, o excelente La belle captive, que me hipnotizou já em seus momentos iniciais. E seu antigo parceiro Chris Marker? Quem conferir La jetée e Sem sol, entre outros, só terá a agradecer o prazer de ter olhos.

Além disso, seu carinho e atenção para com os atores de seus filmes me fez empolgar-me não só com sua "turma" habitual (Sabine Azéma, André Dussollier e Pierre Arditi) como abriu meus olhos para intérpretes como Lambert Wilson, Claude Rich, Isabelle Carré, Mathieu Amalric, Delphine Seyrig, Geraldine Chaplin, Emmanuelle Riva. O critério é simples e quase sempre funciona: se Resnais utilizou tal ator, tal ator é uma pessoa a se notar. O faro resnaisiano virtualmente nunca se engana.

E há o casal Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri, que não apenas roteirizaram dois filmes de Resnais (Smoking / No smoking e Amores parisienses) como co-estrelaram um. A dupla depois passou a atuar em, roteirizar e até dirigir outros filmes. É preciso ver seus filmes e obras. E eu sequer os conheceria, não fosse por Resnais e sua generosidade em usar dois jovens roteiristas para escreverem dois de seus filmes, entre quinze e vinte anos atrás.

Quadrinhos

 Resnais é um grande amante de quadrinhos. Foi um dos fundadores na França da Sociedade dos amigos dos quadrinhos (Société des amis de la bande dessinée), e a todo instante deixa nítido esse amor pelas HQ. Um de seus mais divertidos filmes, I want to go home, é simplesmente uma ilustração desse carinho pela arte sequencial. Para roteirizar essa obra, Resnais chamou ninguém menos que o grande quadrinista americano Jules Feiffer. E é difícil não se empolgar com as constantes referências a Schulz, a Caniff e outros mestres dessa arte, e também é difícil não se interessar pelo Popeye de Segar (com direito a Depardieu fazendo cosplay do personagem numa cena) e pelo próprio Feiffer, que também envereda pela animação (!), criando "consciências animadas" das personagens do filme.

É ótimo ver um desses respeitados intelectuais como Resnais abraçando causas como a que versa a não-demonização dos quadrinhos. Resnais chegou a declarar que um de seus grandes sonhos irrealizados é fazer a adaptação cinematográfica dos X-Men! Sua sincera apreciação pela "banda desenhada" é um alento e um farol: então também preste-se a devida referência a suas dicas nessa área! (E divirtamo-nos com as brincadeiras do diretor, como a abertura de Smoking / No smoking).

Literatura

Uma das marcas iniciais de seu cinema era trazer roteiros originais feitos por escritores profissionais, sem experiência na confecção cinematográfica. Marguerite Duras, Alain Robbe-Grillet, Jacques Sternberg, Jorge Semprún, Jean Cayrol, alguns dos nomes com que trabalhou nesse período, são nomes relevantes e importantes para qualquer estudo da literatura contemporânea francesa (ou mundial). Ir atrás dos romances de Duras e das obras e roteiros de seus colegas "resnaisianos" é adentrar um mundo de infinitas possibilidades literárias e formas diferentes de se exprimir e impressionar.

Há também que se destacar o dramaturgo Alan Ayckbourn, a quem Resnais sempre se volta, e o caso inédito de Christian Gailly, autor de L'incident, único romance adaptado por Resnais (e agora Resnais também vem escrevendo em parte seus filmes), origem de seu belo Ervas daninhas. Ainda não li Ayckbourn, mas encomendei e li L'incident, excepcional relato detentor de uma voz absolutamente ímpar, que eu nunca havia realmente visto na ficção escrita.

Música

O filme Amores parisienses é todo ele composto de canções populares francesas, indo de Piaf a Gainsbourg, de Alain Souchon a Jacques Dutronc. Foi nesse filme que eu tive meu primeiro contato com France Gall e com o maravilhoso Julien Clerc, compositor de vitalidade e talento estupendos, totalmente obscuro no Brasil e a quem eu jamais iria chegar não fosse por Resnais. Graças a ele e a esse encantador filme, todo um mundo da canção francesa, longe dos tradicionais eixos "de exportação" (ainda que haja Aznavour e congêneres), apareceu para mim e eu descobri até mesmo verdadeiros mitos de que simplesmente não se fala no Brasil, como Claude François.

Além disso, os compositores originais de seus filmes. Mark Snow, "anônimo" autor da música-tema de Arquivo X, trabalhou mais de uma vez com Resnais e cunhou pérolas que podem ser ouvidas por exemplo aqui (e no trailer abaixo colocado); o célebre Penderecki compôs para Eu te amo, eu te amo; Hiroshima mon amour tem trilha de Giovanni Fusco e do genial Georges Delerue, famoso por sua parceria com Truffaut e pela música de O desprezo.
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Poderia ainda falar do desejo de conhecer pintura e pintores que seus curtas Van Gogh, Guernica e tantos outros despertam, mas não posso me estender mais na louvação: basta procurar os filmes de Alain Resnais, o interesse vem naturalmente a partir daí. Apenas resta agradecer ao cinema por ter acolhido esse grande homem, que nunca desanima em fazer e disseminar coisas belas. Que viva longamente.



Atualização (01/05): Texto sobre o penúltimo filme de Resnais (e um pouco sobre sua carreira), Ervas daninhas.

2 comentários:

Vanessa disse...

Marker + Resnais foi (quase) o melhor encontro desse planeta. Só perde pra Gena e Cassavetes <3

Filipe Chamy disse...

Haha, podemos contar então que Gena e Cassavetes foi o melhor encontro amoroso. :)

Mas 95% das parcerias do Resnais são geniais, na verdade.