quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Columbo

Tramas policiais muitas vezes sofrem com a desonestidade dos whodunits; ora, se todos, a todo instante, podem ser criminosos, o desenvolvimento das personagens é uma aleatoriedade e preza-se simplesmente a surpresa, a revelação. É algo um tanto desonesto, basta pensar nas novelas televisivas que, quando reprisadas, mudam o culpado original. É qualquer coisa, sem critério.

Columbo é diferente dessa rotina de convenção. A cada episódio (ou telefilme), o espectador acompanha, no início, o iter do criminoso, o que ele faz até chegar ao assassinato. Acompanhamos a execução passo a passo (ao longo das décadas de exibição, houve apenas duas exceções a essa filosofia narrativa). Ainda que não entendamos a princípio todos os motivos ou "truques" efetuados para despistar suspeitas, sabemos quem armou o plano e fez as ações.

E aí entra o Tenente Columbo, feito por um fabuloso Peter Falk em 69 telefilmes, de 1968 a 2003 (trinta e cinco anos, treze "temporadas"). Columbo é um personagem ímpar. Dono de uma capacidade dedutiva extraordinária, o humilde oficial do Departamento de Polícia de Los Angeles só encontra rival em Sherlock Holmes. Consegue enxergar minúcias, apontar paradoxos, concluir uma investigação com base
naquilo que é óbvio mas não aparente, que todos haviam desprezado.

Columbo não pega em armas — em uma ocasião, inclusive, tentou fazer com que se passassem por ele num obrigatório exame de tiros da polícia —, não participa de corridas e perseguições, não se interessa por nenhum aspecto movimentado da vida policial. Seu método consiste em andar pelos ambientes relacionados aos assassinatos, ligar um fato a outro, pensar e inquirir os suspeitos — insistentemente, sempre "lembrando" de algo no último instante e os irritando, acabando com a diplomacia inicial e despertando a agressividade dos que até então possuíam álibis perfeitos.

O policial que vemos aqui é um retrato marcante e incomum: educado, cordato, boa praça, também sempre lembrado por seus trajes amarrotados (o icônico sobretudo bege), o indefectível charuto numa das mãos, o caderninho de notas, o carro decrépito, a aparência desleixada. Inúmeras vezes é tratado mal por seu jeito simples e expansivo, por seus modos "não refinados". Já foi perguntando se estava disfarçado, questionado se de fato era da polícia e até mesmo confundido com mendigo! É que Columbo também é visto nesses momentos "não heroicos", das fragilidades do cotidiano: vai ao veterinário levar seu cachorro, visita o dentista quando um dente lhe dói, chega na cena do crime com a barba por fazer, cara de sono e comendo algum lanche apressado apenas para matar a fome... Columbo é gente como a gente, com todas as dimensões e facetas da pessoa comum. Não é sobre-humano, é um gênio que diverte por seu jeito estabanado, sua tranquilidade e impertinência (quando ele descobre/intui sobre quem é de fato o homicida, "gruda" inescapavelmente nele). Leva o trabalho a sério mas não faz disso uma tarefa estressante, anda disposto e de bom humor, com leveza, fala da família e da mulher — sempre referenciada, jamais mostrada; a não ser numa absurda série spin-off que inventaram certa feita, sem Falk e apenas com a Mrs. Columbo, que deixa de ser a esposa do dedicado policial e vira ela também uma combatente do crime.

Ao longo da série, inúmeras celebridades cometeram seus assassinatos: José Ferrer, Martin Landau, Vera Miles, Donald Pleasence, Robert Culp, Louis Jourdan, Patrick McGoohan, Johnny Cash, Ray Milland, Leonard Nimoy, William Shatner, Oskar Werner... Os episódios foram dirigidos por gente como Steven Spielberg (em seu passado televisivo setentista), Patrick McGoohan (que já matou em vários telefilmes da série, sendo quem mais nela apareceu depois de Peter Falk!), Ben Gazzara, James Frawley (diretor do primeiro e genial filme dos Muppets), Richard Quine e, não creditamente, John Cassavetes (também um assassino de respeito, em Étude in black, um dos melhores momentos da série inteira). Mas é sempre Columbo e Peter Falk quem encantam e dão o sentido à série, a despeito de todas as virtudes estilístico-narrativas de cada telefilme.

A série fez sucesso e ganhou vários prêmios e reprises, algumas tentativas de refilmagem, livros. Seus criadores, William Link e Richard Levinson, são também os autores por trás da célebre Murder, she wrote, estrelando Angela Lansbury. Mas nem eles e nem Peter Falk, apesar de bem sucedidos em outros trabalhos (sobretudo Falk, que fez muitos papéis importantes), conseguiram (ou mesmo quiseram) se livrar da fama do assombrosamente inteligente Tenente Columbo. Ainda hoje a série possui um séquito de fiéis adoradores e é objeto de análises, revisões e sátiras e paródias, sinal de sua grande aceitação na cultura popular, e não só.

Resolvi escrever este texto como uma pequena homenagem a esse colosso televisivo, na empolgação de rever uma de suas temporadas (a terceira), mas, relendo-o, acho-o incompleto e pobre, sem dar a dimensão do brilhantismo de tudo. Assim como Columbo, a qualquer momento lembro de "uma coisa curiosa que não me sai da cabeça" e acrescento just one more thing...

Finalmente, alguns momentos/vídeos interessantes da série (o último trecho é um dos meus favoritos de todos os filmes):

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