
Mas ao mesmo tempo Sherlock Holmes é uma das criaturas ficcionais mais mal representadas em adaptações. A questão cuidada é apenas a da aparência, então vemos sujeitos altos e magros, com nariz marcante, gorro, capa e um cachimbo. Sua apresentação física é tão estilizada que já nem se preocupam mais em ler as histórias originais de seu criador Conan Doyle — o cachimbo do detetive nunca foi curvo em texto algum, por exemplo.
A primeira aparição de Sherlock se deu no magistral romance "Um estudo em vermelho", publicado em 1887. Nesses cento e vinte e cinco anos, uma infinidade de peças, filmes, programas televisivos, quadrinhos e todo tipo de mídia já se apropriou das personagens de Doyle, mas a maior parte com preguiçosa indolência e fracasso na caracterização de Holmes como mestre na dedução e lógica: quase todo mundo prefere ficar nos velhos clichês da roupa, da lupa e da ambientação superficial, com o fog londrino, o dr. Watson e a casa na rua Baker, 221B.

Até que surge, em 2009/2010, um novo Sherlock. Encarnado por Benedict Cumberbatch, o Holmes da série televisiva Sherlock aparece atualizado, vivendo no mundo globalizado contemporâneo, tendo um site, usando SMS, assessorado por um dr. Watson (um também iluminado Martin Freeman) mulherengo, que tem um blog, é sarcástico e amargurado e precisa a toda hora avisar que não, não namora Sherlock Holmes. Talvez muitas pessoas conservadoras tenham se arrepiado ao ler essa descrição, e também deve haver quem, assustado pelo conceito de modernidade do novo Sherlock, decida simplesmente passar longe disso tudo. Erro terrível: o novo Sherlock é o verdadeiro Sherlock Holmes, finalmente despontando após décadas de adaptações rasas e formulaicas!


Com decisões interessantes para evitar os truques de transposição literária, "Sherlock" utiliza criativamente flashbacks, montagem truncada e direção versátil, apta a seguir vários estilos apenas para fazer funcionar a trama narrada. Ainda que por vezes os recursos empregados pareçam algo desnecessários ou mal ajambrados, é de se louvar a iniciativa de fugir da tradicional representação de diálogos, de exposição verbal, da adaptação ao pé da letra dos livros. "Sherlock" é uma bela série que merece ter muito sucesso nos anos que (esperamos) se seguirem.
Mix das músicas do programa:
P.S.: Um dos quadrinhos que homenageiam/parodiam Sherlock Holmes está nas bancas: trata-se do Almanaque do Mickey nº 8, com "o maior detetive de Londres" Sir Lock Holmes!
4 comentários:
Estou adiando ver essa série. Pretendo em breve "correr atrás" de alguns episódios.
São apenas meia dúzia até agora. Dá para ver toda a série em uma semana!
Vi os seis episódios. Gostei muito. As referências foram bacanas: Estudo em "Rosa", O Cão de "Baskerville"(S), a sacada com o chepeuzinho ridículo e o vício em nicotina, ao invés de cocacaína. Penso até em fazer uma postagem a respeito. No entanto, claro, minha grande série de detetive ainda é Monk!
"Monk" ainda não vi. Acho que acabarei pegando um dia, no mínimo porque dizem ter muitas semelhanças com a minha série favorita (ou uma das favoritas): "Columbo"!
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