quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Deux anglaises et le continent

Continuando com o resgate, impressões minhas sobre o segundo romance de Henri-Pierre Roché, escritas dia 14 de abril deste ano:

Deux anglaises et le continent - Henri-Pierre Roché
(Duas inglesas e o continente)

O livro que inspirou o "As duas inglesas e o amor", do Truffaut. A primeira surpresa: é um livro composto APENAS de diários e cartas. Isso dá uma intimidade incrível ao relato, tornando críveis todas as incoerências das personagens e possibilitando ao leitor observar como elas se portam na privacidade, como se expressam e como desejam se manifestar e contar as coisas que se passaram com elas. É delicada a forma como a passagem do tempo é trabalhada, sendo que as datas das cartas e diários vão de 1899 (quando Claude, "o continente", tinha 19 anos e conheceu Anne, uma das duas inglesas) até 1927. Fica apenas uma impressão estranha no fim, pois apesar de ser um belo término é de se pensar: por que a comunicação é interrompida ali? Apesar de haver um evidente sentido de "renovação" no último caso narrado, fica o desejo por saber ainda mais daquelas vidas, o que é um triunfo e tanto do livro.

Roché escreveu antes "Jules e Jim", mas acho que este livro é bem mais feliz. A beleza "telegráfica" das frases curtas está bem melhor dosada que no romance anterior, e as personagens não parecem apenas fazer coisas estranhas e aleatórias: há um sentido inclusive na incoerência de certas passagens, o que demonstra nas pessoas do livro fraqueza, confusão mental, ingenuidade, esquecimento ou qualquer outra coisa equiparada. É uma decisão muito bonita, expor a nobreza dessas fragilidades.

Assim como no filme, a personagem que mais me encantou foi Muriel, dividida entre a religiosidade primitiva e uma forte independência de espírito. Anne, sua irmã, é mais decidida a não ligar para convenções.

Há coisas bastante polêmicas e intensas no livro: desvirginamentos, masturbação (feminina!), prostituição. É nítido o desejo de Roché de não esconder nada (afinal, é quase uma autobiografia sua), e desenvolver as ideias com serenidade e grande beleza, mesmo quando as coisas parecem desesperadamente grotescas.

Um belo romance, confissões de um autor que já beirava os oitenta anos.

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