Os Gummis são ursos coloridos e falantes que conviviam pacificamente com os humanos em uma época remota, até que houve um momento de rompimento e os ursos ficaram tão reclusos (e escassos) que adquiriram o status de lenda: nenhuma pessoa mais acredita na existência dessas criaturas, salvo sonhadores tidos como lunáticos saudosistas. São tomados por pura fantasia, porque há séculos não se tem notícia deles. Estamos numa sociedade medieval, com reis, princesas, castelos, cavaleiros. E ogros!
O choque que dá início à série (e à intriga) é a descoberta acidental, feita pelo jovem Cavin (Crispim no Brasil), da real existência dos ursos Gummi. Após um estranhamento mais que justificável (os Gummis fogem com horror de qualquer contato humano, acreditando que a descoberta de seu segredo possa levá-los à extinção), os ursos acabam confiando no jovem e este lhes entrega um velho amuleto presenteado a ele por seu avô (um dos lunáticos a que me referi acima!). O amuleto consegue abrir um livro místico deixado pelos antigos Gummis e nele os remanescentes da raça encontram magias poderosas que podem levá-los a combater seus inimigos e a ajudar as pessoas — que é, afinal, uma das funções primeiras e quintessenciais dos Gummis. Portanto, o encontro com Cavin e a consecução da abertura do livro possibilitam aos Gummis uma nova vida e missão: eles devem sair um pouco de sua obscuridade e ajudar a quem precisa, tentando a todo custo proteger sua independência e identidade.
Estamos no reino de Dunwyn, comandado pelo bondoso rei Gregor, pai da encantadora princesa Calla (Carla, em português). Tudo vai bem e em harmonia, exceto pelo enorme ressentimento de Duke Igthorn (inacreditavelmente chamado de Duque Duro por aqui!), ex-cavaleiro expulso das fileiras reais, que mora numa fortaleza decrépita chamada Drekmore e que deseja a todo custo tomar o reino e destronar o velho Gregor (uma curiosidade é que o mesmo ator originalmente dubla ambos os personagens, Michael Rye, e sua performance é invejável, sobretudo na voz do vilão). O duque afinal depara com os ursos e descobre que não só eles são reais como possuem uma arma poderosíssima: o gummiberry juice (um suco artesanal feito com as tais frutinhas, em quantidades, dosagens e procedimentos específicos), que aos ursos dá a capacidade de enormes e velozes pulos, mas aos humanos garante uma força sobre-humana (de duração bem limitada, contudo). A partir daí, o duque e seus aliados (ogros, burríssimos e enormes, exceto seu braço-direito Toadwart, minúsculo e bastante mais decente intelectualmente) não descansarão enquanto não puserem as mãos nos Gummis para descobrir a receita do tal suco.
A bem dizer, eles não querem nada com os ursos e para eles tanto faz como tanto fez haver ou não ursos coloridos saltadores na floresta. O que interessa a Igthorn é o suco, e nesse esforço ele e seus cupinchas tentarão por inúmeras vezes ludibriar os Gummis, seduzi-los, raptá-los, enganá-los, roubá-los, chantageá-los. De todas as maneiras possíveis. Igthorn sempre acaba frustrado e é um vilão cômico — a começar por sua figura desengonçada e seus trejeitos do Capitão Gancho de Frank Thomas, e seu rosto marcante mas estranhamente engraçado, que a mim me lembra muito o do grande Frank Zappa —, mas também é persistente e perigoso, o que me leva a destacar um dos grandes trunfos da série: a aventura!
Uma das razões para tudo funcionar bem é que realmente sente-se o perigo. Seja nas mãos de Igthorn ou em suas vidas cotidianas ou em perigos vários, sentimos quando os Gummis estão ameaçados, quando a situação está complicada, quando tudo parece perdido. Quando estão em perigo de morrer, ou de fracassar na defesa de suas metas, ou quando algum humano está em vias de descobrir o segredo de sua existência (sabem dele apenas Cavin, Calla e o próprio Igthorn — que tanto não quer saber tanto dos Gummis que nunca se preocupou em falar sobre eles para ninguém mais no reino!). Há sombras de problemas e obstáculos, o que torna tudo mais real e interessante; em séries como Darkwing Duck, por exemplo, perigos aparecem de maneira tão estilizada que não chegam a provocar comoção, parece tudo apenas caricatural e absurdo. Aqui (e em DuckTales) os entraves são para valer e tudo depende de acasos e competências, está tudo em risco e em jogo a todo momento.


A série dos Gummis teria surgido por inspiração dos famosos doces gelatinosos em forma de urso, mas dá para captar outras referências de animação e desenvolvimento narrativo no decorrer dos episódios. Pela ambientação, trajes e cenários, há muita semelhança com A espada era a lei, por exemplo; pelos personagens, com o famigerado O caldeirão mágico, sendo Cavin muito parecido com Taran e Calla, com a também princesa Eilonwy (e mesmo Toadwart é o mesmo Creeper, assistente do Rei de Chifres, mil vezes melhorado). Mas a meu ver os resultados obtidos pela série são muito mais felizes que os dos filmes citados, ainda que eu goste consideravelmente bastante deles (e sobretudo porque sendo dois longas de animação Disney os momentos antológicos de animação são inúmeros). Adventures of the Gummi bears não se deixa limitar pelo formato televisivo e pelas especificidades do subgênero infantil, apresentando-se antes como um produto de extremo refinamento e bastante profundidade, na relação entre as personagens, na direção e encenação e utilização dos elementos cênicos e de fantasia do cenário e das convenções narrativas e lendas medievais (aqui há monstros, magia, monarquia nobre, cavalaria heroica, até eventuais dragões!). Além de ser, assim como os doces que a teriam inspirado, uma grande delícia — com a indubitável vantagem de que, ao contrário das gelatinas, não enjoa e nem dá cárie!