terça-feira, 29 de maio de 2012

Ilustradores de Lobato

Às vezes me pego admirando certas ilustrações dos livros infantojuvenis de Monteiro Lobato e penso como parte substanciosa da história da literatura para jovens brasileira é descrita por esses grandes e valorosos artistas, que demoraram muito para serem (parcialmente) reconhecidos pela crítica. Comentando especificamente os meus favoritos, vamos a imagens:

ANDRÉ LE BLANC fazia personagens com um acabamento mais rústico e um traço muito bonito e memorável. Gosto muito da sua Emília de olhos perpetuamente deslumbrados, cílios de retrós, a cabeça grande e meio desproporcional (como a de um bebê, ou de uma boneca antiga com cabeçona de vinil), o corpinho franzino. Le Blanc também ilustrou muitos outros autores e também histórias em quadrinhos, tendo sido o desenhista de algumas aventuras do Fantasma (de Lee Falk) e assistente e colaborador de ninguém menos que o mitológico Will Eisner! Um breve e bom material sobre a carreira do ilustrador pode ser visto aqui.

BELMONTE é bastante celebrado por seus cartuns e charges de sátira política e de costumes, e de fato seu traço é muito peculiar e engraçado. Sua Emília é uma bruxinha perfeita, com certos trejeitos de aranha (pernas finas, cabeça com cabelos revoltos), é impossível imaginá-la na "vida real". Ponto para ele, é maravilhoso alcançar uma forma de expressão tão própria de uma ideia, sem se deixar influenciar por "realismos" inúteis. O excelente blog Chocarrice coletou incríveis ilustrações de Belmonte para o clássico "Emília no País da Gramática", nas quais pode-se ver o brilhante e refinado uso da estilização em prol do humor do desenho. Notem a aproximação com a linguagem dos quadrinhos, ao retratar sons e palavras/expressões, onomatopeias etc. como pessoas. Seu trabalho me lembra por vezes o também incrível Al Hirschfeld.

Jurandir Ubirajara Campos, o J. U. CAMPOS, teve sua participação na obra lobatiana ampliada para a esfera pessoal: ele foi genro de Lobato! Mas sua obra é impecável e permanece ainda hoje uma magnífica amostragem do que se pode fazer nessa mídia de desenho ilustrativo para obras infantis ou infantojuvenis. Entre o naïf e o deliberado efeito estético, as obras de J. U. Campos possuem cores que saltam aos olhos e permitem uma nova visão das personagens e dos ambientes em que se inserem. O blog Chapéu pensador agrupou algumas dessas ilustrações, e ao observador atual é permitido ficar plenamente estarrecido com os simultâneos anacronismo e contemporaneidade das figuras, como um ilustrador de Jules Verne ou de Emilio Salgari nascido no século XX.

MANOEL VICTOR FILHO é ainda um dos mais queridos ilustradores de Lobato. Pudera: são dele as capas mais recentes da Brasiliense, que publicou até há pouco a obra lobatiana para jovens completa — e hoje ainda se encontram facilmente os volumes à venda em livrarias e sebos, inclusive os que a Editora Globo negligentemente não relançou, como "Geografia de Dona Benta". É dele a Emília com vestido branco de bolinhas vermelhas, pezinho amarrotado (afinal, ela passa boa parte da obra de Lobato sendo uma boneca de pano), Narizinho de sainha curta arrebitada e grande laço enfeitando os cabelos, a Dona Benta magrinha e a Tia Nastácia enorme de bondade e tamanho. Cansei de ver em escolas e bibliotecas os livros com a turma do Sítio em sua versão de capa dura com belíssima arte de Manoel Victor. No blog Universo paralelo pode-se ver alguns momentos de seu trabalho, inclusive a imagem definitiva da iconoclastia lobatiana: Emília botando a língua pra fora, atitude de desafio, crítica e irreverência.

Nos anos mais recentes, gosto bastante da equipe liderada por JORGE KATO (famoso artista Disney brasileiro, falecido há poucos meses) na coleção editada pelo Círculo do Livro na década de 1990. Esses volumes tiveram a curiosa distinção de terem a arte influenciada não só pelos ilustradores lobatianos anteriores como pelo programa televisivo inspirado nas aventuras do pessoal do Sítio de Dona Benta, exibido na Globo entre 1977 e 1983. Então o Príncipe Escamado parecia mais com um humano, o Doutor Caramujo era o arremedo perfeito do traje usado na telinha e a Emília tinha mil cores no cabelo e nas roupas. Entre os artistas que ilustraram os livros nesse período temos os também disneyanos Luiz Podavin e Eli Marcos Leon. São desenhos bonitinhos e que possuem bastante originalidade e identidade. Alguns deles podem ser vistos aqui.

Gosto muito também do trabalho realizado por outro artista disneyano brasileiro, MOACIR RODRIGUES SOARES, na Coleção Rocambole. São livros com pequenos trechos das histórias do Sítio de Lobato, com glossário e grandes ilustrações. Eu acabei me desfazendo dos livros, mas tenho tanto registros (sobretudo desenhos) que mostram como eles me marcaram na infância que pretendo readquirir boa parte deles, percorrendo os sebos por aí. Destaco o Príncipe Escamado, que eu adorava desenhar, e o Visconde de Sabugosa com sua eterna marca de "coroa falsa" por baixo da cartola (por muito tempo só o retratei assim). Outros ilustradores participaram da coleção, mas o que me marcou mesmo foi o traço do Moacir. No blog Sala de leitura pode-se conferir um livro dessa coleção.

Há muitos outros ilustradores da obra de Monteiro Lobato, mas de uma maneira geral esses artistas acima são não apenas os que considero os melhores que já se dedicaram a esse trabalho como são os responsáveis por uma influência muito grande na minha vida e na minha visão de desenho, ou pelo menos com relação à caracterização dos geniais personagens de Lobato. Esta é uma pequena carta aberta de agradecimento a todos esses mestres subestimados.

4 comentários:

Lúcia disse...

Disparado o que mais me marcou foi esse Moacir Rodrigues. Ver isso http://1.bp.blogspot.com/_vaXAmq8Ogek/S66O1BOIvXI/AAAAAAAABWM/oj2idpc6POI/s1600/Livro++S%C3%ADtio+Picapau+Amarelo.jpg trouxe tantas memórias que até assustou!

Mas se tivesse que escolher um preferido, seria o Le Blanc, apesar de ter me amarrado no Belmonte! O Chocarrice realmente é demais :)

Filipe Chamy disse...

O Moacir é ótimo mesmo. Mas eu tenho bastante dificuldade para decidir de qual artista gosto mais... É uma coisa meio sazonal, acho; hoje estou mais pelo Le Blanc também. Quanto ao que mais me marcou, deve ter sido o Manoel Victor Filho. Várias ilustrações dele estão carimbadas eternamente no meu coração, como a Emília peitando o rei dos macacos em "Reinações de Narizinho". :)

E finalmente achei alguém que realmente leu Lobato quando criança, hehe. Apesar de ser sempre recomendado por pais, professores e afins, conheço pouquíssimas pessoas que de fato liam esses livros quando menores. E vale relê-los sempre, hein.

Essa coleção Rocambole era MUITO legal, né? É uma das razões para eu saber de cor vários trechos de "Reinações de Narizinho"...

franciscomartinsescritor disse...

E há também os próprios desenhos feitos por Lobato. Ele também foi desenhista e pintor.

Filipe Chamy disse...

Verdade, Francisco. Mas infelizmente ele se arriscou pouco nessa seara. Ou melhor: modestamente preferiu supervisionar trabalhos de outros artistas, pintando mais "privadamente"...