sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Grandes ilustradores: W. W. Denslow

É difícil conceber a ideia de literatura infantil sem considerar um aspecto geralmente indissociável desse nicho: as ilustrações. De John Tenniel — o brilhante ilustrador dos mundos percorridos pela irrequieta Alice de Lewis Carroll — aos ilustradores de Lobato, cada época viu seus artistas e autores empenhados em um tipo de expressão específica para agradar às crianças, sugestioná-las ou simplesmente entretê-las. Um dos principais nomes do desenho literário infantil do século XX foi W. W. Denslow, ou, como foi batizado, William Wallace Denslow.

A bem dizer, ao contrário de ilustradores como Garth Williams e Gustave Doré, Denslow perenizou sua celebridade ao ser relacionado apenas a um trabalho; ele tem uma produção de extensão considerável (chegou mesmo a fazer uma compilação de suas obras em dezoito volumes!), mas não se pode fugir à beleza desse seu maior momento de glória, que neste ponto muitos já saberão se tratar das ilustrações do excepcional The wonderful wizard of Oz, de L. Frank Baum.

Denslow já havia feito alguns livros em parceria com Baum, e entraram de cabeça nesse projeto bastante ousado — que, por feliz conjuntura providencial, alcançou um estrondoso sucesso —: narrar as estranhas aventuras de uma menininha (Dorothy) numa terra fantástica e repleta de seres mágicos, desde bruxas a animais falantes. Baum, o escritor, inclusive dividia os direitos da obra com Denslow. E evidentemente ambos pensavam em Tenniel e Carroll, tendo Dorothy sido criada, então, um pouco como uma "irmã" de Alice. Decisão mais do que acertada, afinal Alice é talvez a primeira e mais importante representação infantil literária moderna.


A aposta não foi em vão. Os desenhos de Denslow ficaram logo entre as razões da grande popularidade do livro. Por questões comerciais, a parceria entre os dois encerrou-se pouco depois e Denslow não ilustrou nenhuma outra das inúmeras aventuras passadas em Oz, sendo substituído pelo prolífico John R. Neill. Aliás, Deslow morreu em 1915, antes até dos sessenta anos, bem em meio ao furor febril que fez Baum legar mais de uma dúzia de romances e contos sobre Oz. Mas sua influência ainda era perceptível, seus modelos eram fortes demais para serem ignorados. Até quando Baum se arriscou a fazer cinema, roteirizando ou dirigindo pequenos filmes sobre suas personagens, era nítido o (involuntário?) espírito de Deslow na Dorothy gorduchinha com um vestido afunilado, o leão de enorme cabeça e ar de velho cansado etc.

Para quem quiser comprovar e relembrar tais incríveis criaturas, eis His majesty, the scarecrow of Oz, de 1914:

17 comentários:

Mariana S. disse...

Fico imaginando a leitura na época de publicação desses livros. Provavelmente as ilustrações eram a "porta de entrada" para a paixão pelas obras, pois aquela folheada, um passeio rápido pelas imagens, já indicava a maravilha que seria o desenrolar da história. O que não é muito diferente atualmente, claro, só que é mais difícil hoje achar livros ilustrados, esses livros antigos, no estilo da época de criação das narrativas - e ilustrados a partir da relação com o próprio autor da obra.
Seria bacana poder apagar da própria imaginação, por um breve período, todas as ideias que se tem de oz, voltar a ser criança, para ter esse contato com o projeto inicial do escritor, e imaginar esse mundo mágico com o auxílio das primeiras ilustrações. Já que não dá, que bom que existe a internet, hehe.
Muito bacana recuperares a trajetória desse artista. Deu vontade de conhecer mais. Ainda não tinha visto essas imagens (adorei o espantalho!).

Filipe Chamy disse...

É verdade, Mariana. O sentido dessas ilustrações não era apenas "ocupar espaço" ou obrigacional (naquele pensamento de que se é livro infantil TEM de haver desenhos); tratava-se de outra forma de expressão, uma comunicação que fosse tão importante ao leitor quanto o texto. A supervisão e "palpitação" do escritor era, portanto, fundamental e necessária. Esse modelo parece meio ignorado hoje, já que no mais das vezes, parece-me, são as editoras que escolhem os ilustradores, por critérios logísticos, editoriais e financeiros.

É bem difícil achar (pelo menos em quantidade, e por preços acessíveis) os livros de Oz com as ilustrações originais, mas no caso desse primeiro, o ilustrado pelo Denslow, há aquela edição anotada, que é bem interessante mas que eu também não possuo e da qual não posso dar mais detalhes. É uma pena que a maior parte das edições hoje venda o texto seco do Baum, pois as ilustrações eram, afinal, parte do projeto dele, e não um acessório ou algo dispensável...

Mariana S. disse...

Detesto quando tomam as ilustrações só como "figurinhas". Às vezes elas fazem parte da construção da narrativa assim como o texto escrito, como mencionaste. Eu tenho a impressão de que, quando a criança vai crescendo e tendo acesso a livros com mais texto, as ilustrações vão sumindo, dando lugar ao poder da letra. Aí se perde a possibilidade de um mundo muito rico, criado pelas formas do desenho.
Mas vendo essas ilustrações já dá pra ir para o texto bruto do Baum com uma noção mais ampla do projeto dele.

Filipe Chamy disse...

Parte da culpa dessa subestimação é das próprias crianças, que crescem (oi, James Barrie) e passam a achar que desenhos são supérfluos ou fazem um atalho indevido à comunicação literária "séria" e "profunda".

Lúcia disse...

Adorei o post e o timing foi muito bom - estou atacando uns ilustrados que o Bernardo trouxe para mim e o The Wonderful Wizard of Oz é o próximo :)

Comecei relendo Peter Pan (engraçado você ter mencionado o Barrie) e não sei muito qual vai ser de passar pro Baum depois. Não sei se é o efeito "curtindo o momento" mas rola uma forte sensação de que o Barrie é o maior de todos (do gênero)!

...mas me empolguei bastante pelo Denslow pelo menos :)

Filipe Chamy disse...

Acho que o Barrie deve mesmo ser o maior. Ou Carroll? Ah, não faço ideia, só sei que esses senhores melhoram a vida da gente.

Falando em Barrie, você já leu "Peter Pan in Kensington Gardens"? Eu encomendei uma edição na Cultura em que vem esse e o clássico "Peter and Wendy" (que reli ano passado), estou bem ansioso para ela chegar logo! Parece que tem uns estudos críticos também. Bem baratinha, aliás.

E falando em Baum, também baratinho, comprei o "Complete stories of Oz", com os quinze romances que ele escreveu sobre Dorothy e seus amigos! Paguei pouco mais de 30 reais, encomendando no Bookdepository. É daquelas edições da Wordsworth, sabe? Que lançaram os Grimm completo (é o que estou lendo agora, inclusive), Andersen, Carroll etc. Mas tem um problema chato: não tem ilustrações! Vale por ter todo o texto (cerca de 1500 páginas) num só volume, mas é preciso caçar essas edições ilustradas oportunamente... Mas só vou cair nesses livros ano que vem (falta um mesinho só, afinal).

Lúcia disse...

Ah, curti! Me passa o link desses livros depois?

Os meus Mágico de Oz e Alice são dessa edição aqui :)

Vou descobrir Carroll ainda (vergonha, né!) mas Barrie é demais. Quando comecei a reler Peter Pan queria anotar as frases que eu achava charmosas. Mas aí percebi que estaria fazendo o trabalho de um monge copista... é tudo lindo.

Peter Pan in Kensington Gardens ainda não li! Mas já tirei foto com a estátua do Peter no tal jardim ^^

Eu tinha uns livros ilustrados de Grimm, Andersen e Perrault que eu amava (mas super longe de ser obra completa né). Vou ver se encontro, bateu saudade agora!

Você já leu Pinóquio? Meio que nunca tinha cogitado ler mas ultimamente bateu uma curiosidade.

Filipe Chamy disse...

Ei, o link não entrou.

Os livros são este e este! Estão de graça...

Eu estou sistematicamente lendo esses autores que líamos quando crianças, e na íntegra: ano passado li Perrault (em francês, não é tão longo), este ano estou lendo os Grimm (compridaço, e estou lendo uma tradução em inglês) e ano que vem cairei no melhor deles, Andersen.

Pinóquio li há muitos anos, tenho a tradução do Lobato. É bizarríssimo, das coisas mais delirantes e surreais que já li! Eu estou querendo reler, quando eu arranjar coragem compro um em italiano e leio mesmo que capengamente (nunca estudei italiano). Coincidentemente hoje eu estava dando uma olhada em outra tradução desse livro, numa livraria. O começo é muito engraçado, tirando sarro da organização clássica dos contos infantis...

Quanto a Barrie, o livro é charmoso inteiro, né? De uma delicadeza e um poder de sugestão absurdos, absurdíssimos. Está tudo lá! Dá para entender direitinho o impacto que ele causou a todas as gerações que o leram...

Mas, ei, o que você está fazendo aqui? Vá ler Carroll!! Os dois livros da Alice são das melhores coisas que a humanidade já nos legou!

Filipe Chamy disse...

Ah, acessei o link agora. Faltavam os dois pontos no começo.

Que beleza da edição! Onde você (ou o Bernardo) a adquiriu?

Filipe Chamy disse...

Esqueci de falar da estátua: é esta aqui?

Se for, acho uma lindeza! E mostra bem o que eu imagino do Pan, eternamente preso na infância (o Barrie inclusive diz que ele tem ainda todos os dentes de leite, não?), e não um jovenzinho como o cinema se acostumou a mostrar.

Lúcia disse...

O Bê trouxe de Londres pra mim :)

E é essa estátua mesmo! e é assim mesmo que ele descreve

Também tenho foto com estátua do Andersen, mas essa é no Central Park :)

Filipe Chamy disse...

Um dia ainda vou viajar por esse mundo todo que já conheço por romances e filmes... Enquanto isso vou passando por Neverland e por Oz. :)

Lúcia disse...

"Apparently as much of a showman as Baum, he was said to be 'always grumbling about nothing' and to have an eccentric sense of humour, which showed itself when he spent his profits from Oz on an island near Bermuda where he held court as King Denslow I. But his fortunes sadly declined in later years, while his illustrations of Dorothy and the characters she meets in Oz have remained the model for artists and designers who continue to respond to the magic of the story."

Bolei! hahaha

Fiz um post sobre The Wizard of Oz, dá um pulo lá depois :)

Filipe Chamy disse...

Nossa, isso é sério? Genial DEMAIS, hahaha!

O referido post, para quem quiser ler: aqui (podia postar? Se quiser, apago). :)

Lúcia disse...

hahaha, né? sensacional! tirei do parágrafo de biografia que essa coleção faz para o autor e ilustrador de cada livro.

e obrigada pelo link :)

Filipe Chamy disse...

Eu que agradeço pelo seu texto, coisas assim mascaram a pobreza dos meus posts. :)

Lúcia disse...

Até parece, né! Já tinha falado que adorei o post e adoro essa série "grandes ilustradores". Keep them coming!