
Se nasce como uma espécie de paródia, Asterix aos poucos consegue libertar-se das limitações de concepção e cresce; não em tamanho, pois o diminuto guerreiro gaulês sempre foi e será baixíssimo de altura. Mas cresce em qualidade, em experimentalismo, em ousadia, em brilhantismo. Aos poucos os textos geniais de Goscinny e os desenhos fluidos e engraçados de Uderzo conquistam seu espaço e vão arregimentando legiões (ironia) de fãs e admiradores, que fizeram dessa série de pouco mais de trinta álbuns (uma quantidade até pequena, se considerarmos as décadas de vida do quadrinho) um sucesso estrondoso e dificilmente igualado, que originou uma profusão incrível de jogos, filmes, animações e até mesmo um parque (!), localizado em Paris (a Lutécia da Roma antiga).

Mas não é só por esses aspectos que Asterix é grande. É difícil falar de uma série como essa, pois cada elemento parece ter sido cuidadosamente desenvolvido para um efeito, geralmente com ótimos resultados. O humor, por exemplo, que torna hilária cada trama, que desenvolve cada caráter das personagens (variadas, delirantes, críveis), que transforma o cotidiano corriqueiro da pequena aldeia da Armórica em uma festa de graça, de espírito e de engenhosidade. Goscinny faz cada personagem e situação serem embutidos com a mais intensa percepção da sátira convincente e humana; Uderzo pincela habilmente as expressões, movimentos corporais e gestuais para que não tenhamos aquelas gentes e coisas como eventos de papel, mas como realizações cheias de dimensão e profundidade. Um casamento perfeito.
Casamento desfeito com a prematura morte de Goscinny em 1977, aos 51 anos de idade. De 1959 a 1977 os álbuns de Asterix floresceram como quintessência do mais alto grau do humor nos quadrinhos europeus (e de todo o planeta). Seus vinte e três álbuns e meio (faleceu no meio da produção de Asterix entre os belgas, o 24º livro da coleção) são um testemunho de vigoroso talento e extremada competência. Tudo que ele fez no período é digno da mais alta reverência. Meus particulares destaques vão para perfeições como A cizânia, Asterix entre os normandos, Obelix e companhia e O domínio dos deuses.

Inesperadamente, há relativamente pouco tempo, Uderzo mudou de ideia e resolveu passar a série adiante. Em 2013 houve a estreia mundial de Asterix entre os pictos, primeiro álbum de Asterix sem participação de Uderzo (que fez apenas o desenho de Obelix na capa). Jean-Yves Ferri assumiu os roteiros, desenhados doravante por Didier Conrad. O novo livro, feito um tanto apressadamente, não foi dos mais satisfatórios (apesar de não ser ruim como os piores da fase solo de Uderzo), mas ainda é cedo para falar do futuro da série. O que se pode falar é que Asterix continua fazendo um colossal sucesso (o novo álbum vendeu como água), e muita água virá para frente. Água ou poção mágica, com muita disposição para caçar javalis, destruir acampamentos romanos ou simplesmente divertir, entreter e encantar os leitores que há cinquenta e cinco anos acompanham entusiasmados os banquetes, viagens e inúmeras brigas dos habitantes da aldeia chefiada pelo "colérico" Abracurcix. Ave!
Nota 1: Clicando sobre as figuras, é possível vê-las em tamanho maior; atentar para a diversidade de personagens e o detalhamento de Uderzo.
Nota 2: Optei por escrever os nomes em português, com as traduções e sem acentos. Quem souber francês terá em Asterix farto material de riso, com tiradas como o bardo chamando-se Assurancetourix, transposição marota de uma publicidade de seguro de vida que "cobre todos os riscos".
Nota 3: Os nomes terminados em "ix", são claro, homenagem ao líder gaulês Vercingetórix, que depôs as armas aos pés de César (feito mostrado literalmente em O escudo arverno); romanos têm nomes terminados em "us", egípcios em "is" etc.
Nota 4: Há MUITO o que se dizer sobre Asterix, e claro que este texto é pálido rascunho do que já foi mais do que dissecado em comentários, estudos, críticas, teses, reportagens e inúmeras outras formas de análise. Como uma demonstração da amplidão da influência e do alcance e popularidade alcançados pela série, estão expostos a seguir a ótima abertura do primeiro filme live action, estrelado por Christian Clavier (Asterix) e Gérard Depardieu (Obelix), a íntegra do melhor longa de animação com os personagens de Goscinny e Uderzo (e o único com roteiro original), um dos vários documentários com entrevistas sobre os autores do quadrinho, um exemplo de game inspirado em Asterix e uma pequena conversa dos novos autores da série, Ferri e Conrad.
2 comentários:
Queria ter a facilidade de escolher álbuns favoritos que nem você fez lá em cima. Mas concordo em botar os normandos no top. Ainda não li o livro novo e nem estava muito a fim, o que mudou totalmente agora que descobri que ferri está tocando o projeto. Acho que comentei de Le Retour à la Terre em um dos seus primeiros posts aqui. Gosto muito!
Ah, foram só alguns exemplos! Praticamente todos os da fase Goscinny têm momentos que adoro!
Acho que você já falou dessa série, sim. E agora fiquei bem mais curioso, e possivelmente vou procurar em scans (pois esperar que isso seja publicado aqui é acreditar em fadas - opa, acabou de morrer uma).
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