segunda-feira, 9 de julho de 2012

Sherlock

Sherlock Holmes é certamente uma das mais célebres figuras ficcionais de todos os tempos. É difícil não encontrar alguma citação a pessoa inteligente ou detetive brilhante sem referenciá-lo de alguma maneira.

Mas ao mesmo tempo Sherlock Holmes é uma das criaturas ficcionais mais mal representadas em adaptações. A questão cuidada é apenas a da aparência, então vemos sujeitos altos e magros, com nariz marcante, gorro, capa e um cachimbo. Sua apresentação física é tão estilizada que já nem se preocupam mais em ler as histórias originais de seu criador Conan Doyle — o cachimbo do detetive nunca foi curvo em texto algum, por exemplo.

A primeira aparição de Sherlock se deu no magistral romance "Um estudo em vermelho", publicado em 1887. Nesses cento e vinte e cinco anos, uma infinidade de peças, filmes, programas televisivos, quadrinhos e todo tipo de mídia já se apropriou das personagens de Doyle, mas a maior parte com preguiçosa indolência e fracasso na caracterização de Holmes como mestre na dedução e lógica: quase todo mundo prefere ficar nos velhos clichês da roupa, da lupa e da ambientação superficial, com o fog londrino, o dr. Watson e a casa na rua Baker, 221B.

Até mesmo o mais famoso Holmes das telas, Basil Rathbone, oferecia um pálido arremedo do gênio. Ele praticamente se resumia a disfarces tolos e raciocínio primário, sem extrair o evidente daquilo que a todo mundo parece incompreensível ou invisível. Era um Sherlock Holmes medíocre, que em nada se aproximava da incrível capacidade do detetive de Conan Doyle.

Até que surge, em 2009/2010, um novo Sherlock. Encarnado por Benedict Cumberbatch, o Holmes da série televisiva Sherlock aparece atualizado, vivendo no mundo globalizado contemporâneo, tendo um site, usando SMS, assessorado por um dr. Watson (um também iluminado Martin Freeman) mulherengo, que tem um blog, é sarcástico e amargurado e precisa a toda hora avisar que não, não namora Sherlock Holmes. Talvez muitas pessoas conservadoras tenham se arrepiado ao ler essa descrição, e também deve haver quem, assustado pelo conceito de modernidade do novo Sherlock, decida simplesmente passar longe disso tudo. Erro terrível: o novo Sherlock é o verdadeiro Sherlock Holmes, finalmente despontando após décadas de adaptações rasas e formulaicas!

Com apenas meia dúzia de episódios (de uma hora e meia cada) feitos até o momento, "Sherlock" apresenta Holmes e Watson às voltas com conspiradores, serial killers e todo tipo de crime que existia na Inglaterra vitoriana e ainda existe. Muito inteligentemente, "Sherlock" recusa a transposição literal das histórias de Conan Doyle e busca sua própria identidade: assim, os planos do submarino Bruce-Partington viram planos para um MÍSSIL, e Irene Adler, Lestrade, James ("Jim") Moriarty e Mycroft Holmes todos possuem a dubiedade necessária para representar adequadamente tramas com espionagem, golpes de Estado, terrorismo e outros temas atuais. É portanto uma série que utiliza a fonte original como inspiração, e não como mera cópia.

Mas o grande destaque é a dupla Holmes e Watson, inquestionavelmente. O Holmes de Cumberbatch é a minha ideia perfeita de um Holmes legítimo e crível: sua obsessão, seu perfeccionismo, suas manias e seu nervosismo, seu talento gigantesco em resolver problemas aparentemente insolúveis, tudo isso é bem impressionante e seu retrato é fascinante. Do mesmo modo, o Watson de Freeman é um Watson independente, inteligente na medida para ser o digno parceiro e amigo de Holmes, decidido, algo intrépido e considerável "elo" entre o mitico/divinal (Holmes) e o mundano/comum (todas as outras pessoas). A relação entre eles, a confiança, a amizade e o evidente respeito, a série mostra essas características com naturalidade e força, e se os atores escolhidos não fossem tão bons com certeza "Sherlock" não seria um empreendimento tão feliz.

Com decisões interessantes para evitar os truques de transposição literária, "Sherlock" utiliza criativamente flashbacks, montagem truncada e direção versátil, apta a seguir vários estilos apenas para fazer funcionar a trama narrada. Ainda que por vezes os recursos empregados pareçam algo desnecessários ou mal ajambrados, é de se louvar a iniciativa de fugir da tradicional representação de diálogos, de exposição verbal, da adaptação ao pé da letra dos livros. "Sherlock" é uma bela série que merece ter muito sucesso nos anos que (esperamos) se seguirem.

Mix das músicas do programa:



P.S.: Um dos quadrinhos que homenageiam/parodiam Sherlock Holmes está nas bancas: trata-se do Almanaque do Mickey nº 8, com "o maior detetive de Londres" Sir Lock Holmes!

4 comentários:

Anônimo disse...

Estou adiando ver essa série. Pretendo em breve "correr atrás" de alguns episódios.

Filipe Chamy disse...

São apenas meia dúzia até agora. Dá para ver toda a série em uma semana!

Anônimo disse...

Vi os seis episódios. Gostei muito. As referências foram bacanas: Estudo em "Rosa", O Cão de "Baskerville"(S), a sacada com o chepeuzinho ridículo e o vício em nicotina, ao invés de cocacaína. Penso até em fazer uma postagem a respeito. No entanto, claro, minha grande série de detetive ainda é Monk!

Filipe Chamy disse...

"Monk" ainda não vi. Acho que acabarei pegando um dia, no mínimo porque dizem ter muitas semelhanças com a minha série favorita (ou uma das favoritas): "Columbo"!