sábado, 19 de janeiro de 2013

Grandes animadores: Ward Kimball

Diferentemente de muitas animações, sobretudo contemporâneas, as produções Disney não eram creditadas "exclusivamente" a seus diretores — como ocorre por exemplo na Pixar, onde sabemos quais filmes são de John Lasseter, quais os de Brad Bird etc. A Disney historicamente era um team effort, sendo suas animações bastante "segmentadas", e os estudiosos/admiradores de animação reconhecem suas autorias de maneira também fragmentada: sabemos quem são os animadores de tal ou tal personagem ou cena.

A estratégia geralmente era dividir o filme entre os animadores mais capacitados/talentosos, cada um capitaneando uma criatura do longa. Antigamente houve os nine old men, artistas de confiança de Walt Disney e que o seguiram décadas a fio (alguns até após sua morte), cada um com sua visão pessoal da arte da animação mas todos trabalhando juntos para o melhor resultado no filme. Vendo os features (longas) da Disney hoje, é difícil não reconhecer que Walt legou bem as missões, com cada um dos "nove velhos" agindo no topo de suas interpretações e competências. E nos mitos dessa época, entre a ação desenfreada de Wolfgang Reitherman — que depois virou o chefe do departamento de animação da Disney, quando Walt morreu —, animador de cenas de lutas e animais (a baleia em Pinóquio, o rato em A dama e o vagabundo) e o naturalismo poético de Marc Davis (animador da pin-up Tinker Bell, da delicada Alice e da antológica Cruella de Vil), passando pelos inquietos vilões de Milt Kahl (Edgar, de Aristogatas, Madame Medusa, Shere Khan) e pela dupla clássica Frank Thomas e Ollie Johnston, um nome se destaca pela irreverência e espontaneidade: Ward Kimball.

Ward era o animador das coisas malucas, dos experimentalismos cômicos, da elasticidade dos corpos e rostos. Foi quem desenvolveu o Chapeleiro Louco, o Gato de Cheshire (ambos de Alice no País das Maravilhas), o alucinado gato Lúcifer (de Cinderela), os corvos de Dumbo. Mas talvez seu ápice de criatividade, alcance e expressividade tenha sido justo o personagem mais "certinho" da galeria: o Grilo Falante! Após ter uma de suas cenas favoritas cortada de Branca de Neve e os sete anões, Ward recebeu de Disney a tarefa-compensação de realizar esse grande personagem, quase o co-protagonista do filme do boneco de madeira. Seu Grilo Falante é um assombro, difícil não se encantar com as movimentações, gestos e expressões que o simpático inseto apresenta ao se aquecer do frio, ao interagir com os brinquedos da oficina de Gepeto, ao mostrar-se tímido com a imponente e bela Fada Azul, ao desesperar-se ao ver Pinóquio desrespeitando seus conselhos e enveredando ingenuamente pelo mau caminho. Um trabalho brilhante, que se fosse o único desenvolvido por Ward Kimball já seria o suficiente para eternizá-lo e torná-lo referência para mil animadores a partir de então.

No meio dos anos 1950, Ward Kimball interrompeu sua fecunda colaboração com os longas disneyanos. Fez ainda o professor Ludovico von Pato (Ludwig von Drake), para um programa televisivo, e colaborou em Mary Poppins, um dos maiores clássicos "live action" (entre aspas porque mistura atores reais com atores desenhados, pode-se dizer). A partir de então, com a morte de Disney em 1966, Ward Kimball e a maior parte dos nine old men resolveram se aposentar. Muitos, como Ollie Johnston e o próprio Ward, morreram recentemente, após décadas de inestimáveis serviços à animação. Mr. Kimball morreu em 2002, após cerca de 40 anos fora da Disney.

Ward Kimball, além de seu magnífico histórico como animador, possuía outra paixão: trens! Entusiasta de ferrovias e locomotivas, colecionava miniaturas, estudava seu funcionamento, e chegou a ter realmente um trem a vapor, com uma área específica para sua circulação! Entre os vídeos abaixo colocados, há uma curiosa participação de Kimball no programa de Groucho Marx You bet your life, onde fala um pouco sobre seu trabalho (visivelmente obscuro do grande público, que conhecia muito bem os filmes e personagens mas sabia pouquíssimo dos autores da equipe de Disney), sobre sua paixão por locomotivas e também responde a algumas perguntas do quiz show, incluindo uma sobre... Pinóquio! Além disso, trechos de animações em que ele foi o artista principal por trás do personagem em questão e dois curta-metragens: It's tough to be a bird, realizado em 1969, valeu a Kimball, seu diretor e roteirista, o Oscar; e Escalation, impressionante relato dos transtornos do mundo em 1968, era de transformações com a contracultura colidindo com o belicismo, a Guerra Fria, o Vietnã — é difícil ver nesse curta o mesmo homem por trás de tanta alegria nos filmes Disney, sendo o relato descrente, agressivo, visceral; mas como contradizer esses sentimentos numa época em que a velha mentalidade americana saía, à força, da ordem dia? Percebia-se que os EUA não eram tão invencíveis e nem tão heroicos quanto acreditavam. Ward realizou em três minutos um demonstrativo desse espírito. Porém, não conseguiu desmistificar seu próprio trabalho: Ward Kimball será sempre lembrado por seu rosto bonachão, de grandes óculos de grossas lentes, parecendo ele próprio um de seus divertidos personagens de animação.

Primeira parte de IT'S TOUGH TO BE A BIRD | Segunda parte | Terceira parte

Um comentário:

Anônimo disse...

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