terça-feira, 2 de outubro de 2012

Peanuts

Peanuts completa hoje sessenta e dois anos, oficialmente. Isso significa que a primeira tira com Charlie Brown e seus amigos saiu em 2 de outubro de 1950.

É difícil eu precisar o quanto Peanuts me influenciou, o quanto me assombra ou simplesmente o quanto gosto dessa tira. Por ser a tira mais longeva que acompanho com interesse e fidelidade, seus personagens e situações todos acabam fazendo parte do meu cotidiano e da minha cabeça. Para comparar: Calvin & Hobbes, a tira mais importante da minha vida, durou cerca de dez anos. Peanuts alcançou as cinco décadas! Schulz, seu autor, quase literalmente morreu fazendo-a; a última página dominical, sua despedida, foi publicada após a sua morte.

Peanuts tem um traço simples, quase não possui cenários de fundo, as personagens são anatomicamente incorretas e cabeçudas, com mãozinhas e pernas/pés muito estilizados etc. So what? Peanuts tem uma expressividade colossal, dificilmente igualada. As crianças (pois é uma tira em que apenas elas aparecem, com uma pequena exceção no começo da "saga") são muito reais, movimentam-se com naturalidade impressionante, nunca parecem falsas, ridículas, unidimensionais. Não apenas fisicamente: os caracteres que Schulz desenvolve são tremendamente complexos e verdadeiros, honestos, tocantes. Há todas as fobias, medos e alegrias da infância e da vida, a cada quadro parecemos conhecer um pouco mais não apenas daquela turma mas das nossas vidas. Não é um clichê ou um elogio superlativo; quem ler Peanuts entenderá perfeitamente.

Além de tudo, um dos grandes méritos de Peanuts é para mim a admirabilíssima habilidade de reinvenção que Schulz possuía. Muitos arcos narrativos são recorrentes ao longo das décadas da tira — exemplos: Linus e "The Great Pumpkin", o Ás da Aviação da I Guerra Mundial versus o Barão Vermelho, o aniversário de Ludwig van Beethoven, a avó de Linus versus seu cobertor e, claro, Lucy tirando a bola na hora de Charlie Brown chutá-la —, mas isso nunca parece repetitivo ou desnecessário; Schulz explora um tipo de "padrão" que dificilmente se vê em quadrinhos, para mim algo essencialmente musical: variações! Ele pega um tema, um assunto, uma distinção da personagem, e trabalha a ideia à exaustão, com todas as suas possibilidades. E como ele é feliz nisso!

Também é completamente louvável o empenho, a dedicação à tira, à arte, àqueles personagens. Ora, Schulz alcançou o sucesso e a fama muito cedo. Ao contrário do aparentemente misantropo Bill Watterson, ele nunca pensou em realmente encerrar a série de quadrinhos. E diferentemente de mil outros quadrinistas, ele não relegou sua obra a aprendizes incapazes ou explorou-a de tal maneira que já não podia mais ser livre ou sincero no que produzia. Não, Charles Schulz resistiu a todas essas tendências e fez, dia após dia, incansável, centrado, cada uma das 17.897 tiras de Peanuts. Era uma simbiose, um projeto de vida. Derramando-se em cada quadro, evoluindo junto com seus leitores (e além), na imaginação peculiar de Snoopy, no feminismo egoísta de Lucy, na alegria marginal de Peppermint Patty, na estrondosa percepção humana de todas as suas criaturas, enfim, Schulz foi um grande homem que legou à cultura um monumento que não pode jamais ser contestado: a vida, nada mais e nada menos que a vida.

(Um singelo agradecimento pelos sessenta e dois magníficos anos de Peanuts).

Bônus: há muitos vídeos sobre Schulz e Peanuts disponíveis na internet. Aqui vão alguns, apenas como mostruário: vale a pena ver o máximo que der.

20 comentários:

Lúcia disse...

Peanuts é genial. Humor excelente, personagens muito bem construídos (os exemplos que você citou são demais), criatividade absurda (destaque pro woodstock que só fala ||||) e conseguiu ser marcante também nos desenhos - música mara aquela do pianinho e quem não lembra da professora falando uóuóuóuó (tá, não tem onomatopéia boa o suficiente). Schulz muito ídolo mesmo!

Lúcia disse...

Esqueci de elogiar as traduções! Ouvi dizer que são do Ziraldo, confere?? De qualquer jeito João Barbosa, Minduim e "que puxa!" são geniais.

Filipe Chamy disse...

Ouvi dizer que "Minduim" foi um apelido criado pelo Ziraldo. Mas não sei do resto. Aliás, quem é João Barbosa?

Eu só leio Peanuts no original, acho que o texto do Schulz traduzido perde toda a sutileza; tenho lido as tiras no Estadão e acho todas irremediavelmente sem graça! Sem contar que tiras traduzidas possuem um problema gravíssimo: o letreiramento artificial! Quando os próprios autores escrevem o texto, pensam no espaço que ele ocupará no balão, desenvolvem a ideia de modo a ter também com as palavras um sentido visual para a gag ou para a mensagem que planejam desenvolver. Já nas tiras traduzidas, o texto é vertido para o português mas apresentado sob um letreiramento feito no computador, de letras padronizadas e impessoais, que ficam amontoadas no balão e deixam um grande espaço vazio em volta. Isso me incomoda muito...

Sobre os desenhos, sim! Incríveis composições musicais, sobretudo aquelas do Vince Guaraldi! São bem delicados e bonitos esses desenhos, e, mais importante, possuem uma identidade "só deles", como você reparou: os sons da professora e a maneira de desenvolver o "mutismo" de Snoopy, por exemplo.

E essas piadas sobre a linguagem do Woodstock são sensacionais! Acho incrível ele e Snoopy (meu personagem favorito da tira) se entenderem tão bem...

Lúcia disse...

Muito verdade isso que você mencionou do espaço do balão. Mesmo que inconscientemente, acho que isso me incomoda demais nas tirinhas traduzidas do Calvin que sempre aparecem na internet. Podendo ler o original, também prefiro sempre, e mesmo nessa coleção completa de Peanuts (muito boa!) da L&PM que eu tou colecionando (muita emoção quando sai um novo ^^)eu me pego retraduzindo mentalmente pro inglês, tentando decifrar possíveis piadas perdidas, imaginando sotaques etc.

Mas, desculpe o clichê de refenciar Tarantino, mesmo que perca o significado original, às vezes comer um Royale with cheese tem seu charme. Aqui em casa tem Peanuts até em italiano, nas revistas linus.

De qualquer jeito, quis ressaltar quantas boas coisas vieram de Peanuts :)

Ah, e João Barbosa é o Charlie Brown, mas não nessas edições novas. No mesmo lugar que li que essas traduções são do Ziraldo, dizia que o nome João Barbosa foi homenagem a um dos caras por trás de Pererê :)

Lúcia disse...

*referenciar

Filipe Chamy disse...

Já namorei essa Linus várias vezes, mas nunca comprei... É uma revista com vários personagens? Tipo uma Mad, só que de tiras?

O letreiramento do Peanuts da L&PM, precisamente, é um dos que mais me desagradam! Tenho comprado todos no original (já está quase na década de 90!), e vou te falar: cada volume sai bem mais barato!

Deve ser verdade isso do João Barbosa, é só ver que na turma do Pererê os personagens têm realmente nomes de amigos do Ziraldo (ele vive falando): daí o incrível fato de um tatu chamado PEDRO VIEIRA!

Lúcia disse...

Simmm! Pedro vieira é bom demais haha adoro os nomes de pererê, mas acho que meus preferidos são tininim e tuiuiú.

Sobre linus, não é bem isso não. Linus e eureka eram as revistas que levaram à itália as tirinhas americanas. provavelmente o nome é assim pra seguir a linha da tintin e spirou, mas acho lindo eles terem escolhido um personagem secundário pra homenagear, ainda mais o linus

Eu tô ligada nesses originais mas teria que comprar pela internet e tal, de vez em quando me dá uma peninha de ter os traduzidos, mas é tão boa a sensação de entrar numa livraria, ver que lançou, folhear. Enfim, bobeiras. Agora que comecei em português vou até o fim.

Filipe Chamy disse...

Ah, essa sensação é ótima mesmo. Eu também leio muito quadrinho traduzido, mas como comecei a colecionar os Complete Peanuts bem antes de a L&PM pensar em lançar aqui (comecei lá por 2008!), para mim nem compensou pensar nesses traduzidos. E problemas com a tradução à parte, é maravilhoso poder achar no seu país publicações desses quadrinhos, né? O alcance e divulgação são bem maiores do que quando alguns gatos pingados importam os originais por meio de livrarias virtuais...

E Pererê evidentemente merecerá um post futuro aqui. :)

Lúcia disse...

Verdade, ainda tem o fator de comprar os l&pm pela causa hehe como se dissesse "keep 'em coming"... Por exemplo, não sei quantas vezes já comprei aqueles hagar de bolso em livraria de aeroporto.

Eu fiquei sabendo do complete peanuts mais ou menos em 2008 mesmo, mas nem cogito essas coisas de internet. Sei que deveria né...

E eu apóio um post pro pererê! :)

Filipe Chamy disse...

Bem, 90% da minha coleção de Peanuts eu comprei em livraria mesmo. Eles chegavam aqui com muita facilidade, a Livraria Cultura, a Martins Fontes etc. importavam com frequência. Na verdade, continuam importando, mas agora aumentaram bastante o preço, conjugando talvez o aumento do dólar com um "apoio" às edições nacionais de Peanuts. Os últimos dois volumes (o último lançou há poucas semanas, estou para recebê-lo; é o 1985-6) foram os únicos que eu "realmente" importei, comprando pelo Bookdepository (site totalmente seguro e sem frete pro Brasil!). Cada um saiu menos de 60 reais, se me lembro bem.

Sobre o Pererê: ele é o "mascote" da página que criei do Pirlimpsiquice no Facebook (criando um contraste com a minha foto do perfil, que é o Maluquinho)! :)

Lúcia disse...

Falando em dik browne, já leu zezé e companhia do mort walker com desenhos do browne?
amava zezé e seu raio de sol. Também já tive o meu raio de sol, mas acabei me mudando...

Lúcia disse...

Putz como amo a livraria cultura!
Abriu uma aqui no rio, mas é num shopping meio contra mão e acabo não indo nunca.
Legal que tem página no feici! Você posta vídeos,tirinhas etc? Vou catar depois.

Filipe Chamy disse...

Já li sim! Aliás, você viu que está saindo esse material nas bancas, em gibis de coletânea? Juntaram Recruta Zero, Popeye, Zezé, Krazy Kat (!!) e vários outros. Não que seja algo muito "confiável", mas a iniciativa é bacana. Os gibis custam nem 5 reais, também. É um pequeno incentivo, acho.

A Livraria Cultura é ótima mesmo! Pena que as coisas importadas andam subindo bastante de preço, em questão de dias e semanas!

Eu comecei a página do blog no Facebook há pouco tempo, e, como tem poucos seguidores (uma meia dúzia), coloquei quase que só os links para as postagens daqui; mas já coloquei algumas coisas "extras", versando sobre assuntos que já apareceram nestas páginas. Isso de tiras é uma boa ideia, vou pensar nisso quando tiver mais tempo (e mais público, rs)! :)

Lúcia disse...

Nossa que maneiro! Não sabia não. qual é o nome da revista? Será que sai aqui no rio? Nem lembro da última vez que entrei numa banca para comprar algo que não fosse comestível. Bizarro, né?
Adoro popeye! É o do segar mesmo? Só aquele charutinho na assinatura :)
Já krazy kat eu nunca li...
Ah e valeu pela dica do bookdepository! Vou dar uma olhada depois.

Filipe Chamy disse...

É esta revista: http://3.bp.blogspot.com/-5xH_VjDCrOg/UCMU5yzDfTI/AAAAAAAAUfo/O1YWpu6S1_Q/s1600/PIXEL+POPEYE1+copy.jpg

Já está no número 2!

Não é o do Segar (que é maravilhoso; qualquer hora sai post dele aqui), mas o do Bud Sagendorf.

Krazy Kat você nunca leu? Heresia/pecado/absurdo! É um dos meus quadrinhos favoritos, magnífico DEMAIS. Aliás, o link/endereço deste blog vem desse quadrinho, sabia? O "lilainjil" (qualquer hora também faço um post explicando).

Anônimo disse...

Cheguei bem atrasada por aqui - lá se foram alguns meses desde o último aniversário do Peanuts. Nem sei se ainda vais ler, mas me senti tão representada pelo texto que precisei parar para comentar: é exatamente isso que escreveste :)

Filipe Chamy disse...

Leio, claro, moça (eu te conheço? rs). Agradeço o elogio, e que bom que sentimos o mesmo ao ler Peanuts. :)

Anônimo disse...

Não. Não me conheces, mas eu te conheço! (Mentira, conheço não). Encontrei teu blog por acaso e achei interessante, embora não seja familiarizada com uns 80% do que publicas por aqui. Aí, como eu já disse, li o texto sobre Peanuts e precisei comentar. Se eu tivesse que dizer a que lugar eu pertenço, eu diria que pertenço a essa tira.

Filipe Chamy disse...

Que bonito, isso. :)

Mas é isso mesmo, a gente se encontra entre essas personagens, a gente passa a ser mais um da turma, com aquela mesma doçura e delicadeza de encarar os problemas, filosofar sobre nossas dúvidas cotidianas...

Anônimo disse...

Sim, bem isso :) Peanuts dá uma sensação de estar em casa. É uma tira que te acolhe, quase te abraça em alguns momentos. Muito embora ter a mesma graça e sutileza que o Schulz imprime às personagens seja bem mais difícil nesse nosso mundo 'de verdade'. É bem mais simples entrar nesse universo do que tentar trazê-lo aqui pra fora..